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As cantinas escolares devem oferecer refeições saudáveis e seguras

As cantinas escolares devem oferecer refeições saudáveis e seguras
22 de Maio de 2019

Alexandra Bento alerta que as orientações do Ministério da Educação no que respeita ao funcionamento de cantinas e refeitórios escolares «podem não estar a ser cumpridas nos estabelecimentos de ensino». A Bastonária defende uma aposta na literacia alimentar e nutricional dos portugueses.


No início de maio a Direção-Geral de Saúde (DGS) e a indústria alimentar rubricaram protocolos em prol de uma alimentação mais saudável. Que medida ou medidas destacaria deste acordo? Este acordo peca por tardio?
A Ordem dos Nutricionistas considera que este foi um importante momento para a saúde dos portugueses, uma vez que a reformulação de um conjunto de produtos alimentares irá melhorar o seu perfil nutricional no que respeita aos teores de açúcar, de sal e de ácidos gordos trans, o que determinará um consumo potencialmente mais saudável. Porém, consideramos que as metas de reformulação poderiam ter sido mais ambiciosas, já que para alguns produtos se ficou aquém das reduções inicialmente previstas. De destacar ainda a necessidade de uma maior representatividade do setor agro-alimentar, tanto mais que existem produtos para os quais não se atingiu consenso quanto às suas metas de reformulação, como é o caso dos produtos de charcutaria e os queijos.
Por último, consideramos fundamental que seja assegurada a supervisão de todo este processo de reformulação alimentar, garantindo que as metas definidas são cumpridas.


Há poucos meses foi aberto um concurso para a contratação de 40 nutricionistas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde trabalham cerca de quatro centenas de profissionais. Tem dito, repetidamente, que são ainda poucos os profissionais, especialmente no setor público e sabendo quanto custa uma consulta desta natureza no setor privado, pode afirmar-se que ainda é um luxo recorrer a um nutricionista em Portugal?
O nutricionista coloca os seus conhecimentos e competências ao serviço da população, seja no setor público (no SNS, ao nível dos cuidados de saúde primários e ao nível dos cuidados de saúde hospitalares), seja no setor privado ou social.
O investimento que fazemos na nossa saúde nem sempre é valorizado, sendo com frequência percecionado apenas como um custo. Sabemos que o referido concurso pretende integrar 40 nutricionistas no SNS, no caso concreto nos centros de saúde, número que continua a ser insuficiente face às necessidades e perfil de saúde dos portugueses. Recorrer a um nutricionista, para quem necessita, deveria ser um direito e não só para quem tenha capacidade económica de aceder a uma consulta de nutrição num serviço privado de saúde. O acesso à saúde é um direito e, em Portugal, não está garantido o direito ao acesso à consulta de nutrição nos serviços públicos de saúde.



O SNS encontra-se na encruzilhada, ainda a braços com as consequências dos cortes da troika e das cativações. Uma aposta consistente e estratégica na prevenção da saúde dos portugueses resultaria em poupanças no futuro em termos da procura dos serviços públicos. É sabido que o dinheiro não estica, mas como sensibilizar os governantes para esta prioridade em termos de política de saúde?
Sabemos que um dos passos para obter ganhos em saúde é reduzir custos de tratamento e internamento. Isto é conseguido através dum investimento estratégico na prevenção de doença e promoção da saúde. A sensibilização dos governantes passa por fundamentar a necessidade deste investimento, uma vez que os maus hábitos alimentares são a principal causa de muitas doenças crónicas cujos tratamentos têm vindo a representar um encargo cada vez maior para o SNS. Apenas 1% do Orçamento do Estado é dedicado à prevenção de doenças, valor que é muito inferior a outros países europeus. Urge uma aposta séria e efetiva na prevenção de doença, designadamente ao nível dos cuidados de saúde primários, pois assistimos a um investimento maioritariamente focado no tratamento e a um cenário em que os portugueses estão a viver mais anos, mas sem saúde. A ausência de saúde tem implicações económicas e sociais, nomeadamente na diminuição da produtividade e aumento dos custos com internamento. Assim, um investimento na prevenção aumentará os anos de vida livre de doença que se traduzirá em maior qualidade de vida da população e uma redução da sobrecarga do SNS.


Os dados estatísticos indicam que uma má alimentação mata mais do que o tabaco, o álcool ou o consumo de droga. A prevalência de doenças crónicas associadas a desequilíbrios nutricionais tem merecido o alerta de diversos especialistas. A frase "somos o que comemos" faz cada vez mais sentido?
Atualmente os hábitos alimentares inadequados são o fator de risco que mais contribui para os anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa. A alimentação adequada tem o potencial de prevenir doenças e aumentar o número de anos vividos com qualidade, assumindo, por isso, um papel de enorme importância. De acordo com o mais recente estudo "Global Burden of Disease", a melhoria dos hábitos alimentares poderia poupar em Portugal mais de 233 000 anos de vida. A nível mundial a alimentação inadequada é responsável por um número superior de mortes do que outros riscos como o fumo do tabaco. Segundo o mesmo estudo, mais de metade de mortes relacionadas com a alimentação e 2/3 dos anos de vida saudáveis perdidos associados à alimentação resultam da excessiva ingestão de sódio e da reduzida ingestão de cereais integrais e de frutas. Contudo, mais prejudicial do que ultrapassar as recomendações dos alimentos ou nutrientes cuja presença deve ser limitada na alimentação, é não atingir as recomendações dos alimentos protetores da nossa saúde, onde se incluem os cereais integrais, a fruta e os hortícolas. "Somos o que comemos" porque o que comemos determina a nossa saúde, mas também "comemos aquilo que somos", pois a alimentação de cada um depende muito daquilo que somos: da literacia, do nível de educação, do gradiente social, do ambiente que nos envolve, da cultura e da capacidade de nos relacionarmos com os outros e com o mundo em que vivemos.

Como classificaria o índice de literacia alimentar e nutricional dos portugueses?
Metade da população portuguesa terá níveis reduzidos de literacia em saúde e 40% dos consumidores não compreende a informação nutricional básica. Este valor aumenta quando a população apresentava menor nível de escolaridade. De facto, é a população com menores níveis de escolaridade que menos compreende as informações constantes nos rótulos alimentares. Estes resultados nacionais são preocupantes, revelando a necessidade de aposta na literacia alimentar e nutricional dos portugueses. Sendo a literacia alimentar a base que capacita a população para realizar escolhas alimentares saudáveis, isto é, a sustentação que permite garantir a ingestão alimentar adequada às necessidades nutricionais, a aposta no aumento da literacia alimentar da população tem o potencial de melhorar as escolhas alimentares.

A alimentação nas escolas e nas universidades é foco de críticas recorrentes. Qual o feedback que tem da qualidade da oferta alimentar que se pratica nas cantinas escolares?
As cantinas escolares devem oferecer refeições saudáveis e seguras que ajudem a satisfazer as necessidades nutricionais e energéticas dos seus alunos. Apesar de todas as orientações publicadas pelo Ministério da Educação para as cantinas e refeitórios escolares, a evidência sugere que estas podem não estar a ser cumpridas nos estabelecimentos de ensino.
Algumas não conformidades frequentemente identificadas nas cantinas incluem a falta de variedade de produtos hortícolas na sopa, a ausência ou baixa disponibilidade de hortícolas no prato, predomínio do fornecimento de pratos de carne e ausência de leguminosas no prato. Para além do incumprimento das recomendações, regista-se frequentemente um elevado desperdício alimentar que se encontra entre os 10 e 38%, tendencialmente inferior no caso da sopa e maior no segundo prato, acompanhamentos e hortícolas. Esta realidade aparenta demonstrar fiscalização insuficiente por parte do Estado relativamente ao equilíbrio nutricional das refeições escolares disponibilizadas. Para a Ordem dos Nutricionistas a alimentação escolar constitui uma prioridade, tendo enviado no início do passado ano uma proposta concreta à Secretária de Estado Adjunta da Educação para integrar nutricionistas nas escolas em todo o país. Estes profissionais seriam responsáveis pela garantia do controlo da qualidade e quantidade das refeições escolares, nomeadamente ao nível da oferta alimentar e da higiene e segurança alimentar, assegurando simultaneamente a adequação alimentar e nutricional da oferta e a respetiva monitorização e fiscalização.

Em termos alimentares, em especial na vertente escolar, os constrangimentos económicos e financeiros prevalecem relativamente aos valores da saúde?
Os constrangimentos económicos são um dos fatores que podem dificultar o acesso a uma alimentação equilibrada. Contudo, e enfocando na vertente escolar é possível fazer com o mesmo Orçamento do Estado, mais e melhor, é neste sentido que vai a proposta da Ordem dos Nutricionistas.

Continuando na vertente do ensino: veria com bons olhos a inclusão nos programas curriculares de aulas de educação alimentar ministrada desde os níveis inferiores?
Sim, sem dúvida. Existe evidência científica de que as escolas devem promover abordagens continuadas e multicompetentes, desenhando estratégias com vista a incluir a componente alimentar no currículo, que poderia ser ministrada por professores devidamente treinados para o efeito por nutricionistas. Esta medida contribuiria para aumentar a literacia alimentar e capacitar os alunos para escolhas alimentares saudáveis, trabalhando conhecimentos, comportamentos e atitudes.

Há um ano entrou em vigor um decreto-lei que determinava a substituição de alimentos menos saudáveis nos bares, cafetarias e refeitórios dos hospitais. Impunha-se a aplicação de uma medida semelhante nas escolas?
De referir que a Direção-Geral da Educação tem documentos orientadores da oferta alimentar para os bufetes e máquinas de venda automática, bem como para as cantinas. Contudo, na Educação são compreendidos como referenciais, e por outro lado na Saúde tratam-se de despachos com cariz obrigatório.
Neste sentido, a implementação de uma medida semelhante nas escolas poderia contribuir positivamente para a melhoria da oferta alimentar. Contudo, não deve ser vista como a única medida a tomar, uma vez que a modificação da oferta alimentar deve ser acompanhada de medidas que incidam sobre a modificação da procura alimentar, como é o caso da educação alimentar, com objetivo de contribuir para escolhas alimentares saudáveis e, consequentemente, para a saúde, bem-estar e qualidade de vida das crianças e jovens.

A obesidade e o sedentarismo, reforçado pelo aumento exponencial do consumo de informação e entretenimento nos telemóveis, televisões e PlayStation, são marcas na população portuguesa, alcançando valores preocupantes nas classes etárias mais jovens. Considera uma emergência nacional promover uma cultura de saúde através de uma alimentação correta em articulação com a prática de exercício físico?
De acordo com o último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (2015-2016), apenas 36% dos jovens dos 15 aos 21 anos são considerados fisicamente ativos, cumprindo com as recomendações atuais para a prática de atividade física promotora de saúde. O baixo nível de atividade física representa, tal como os hábitos alimentares inadequados, um dos fatores de risco modificáveis responsáveis pelos anos de vida saudável perdidos pelos portugueses. Face à prevalência do sedentarismo em Portugal, que assume valores preocupantes nas classes etárias mais jovens, e à necessidade de melhoria dos hábitos alimentares dos portugueses, a conjugação de uma alimentação adequada com o aumento da atividade física permitirá maximizar os ganhos em saúde.

Nos últimos tempos surgiram muitas tendências alimentares no mercado, com a promessa de resultados físicos rápidos. A proximidade do verão leva a que muitos e muitas recorram às popularmente chamadas de "dietas da moda". Como nutricionista que conselho daria a uma pessoa com esta intenção?
Com a aproximação do verão surgem no mercado dietas "da moda" para quem procura emagrecer rapidamente, contudo deve haver precaução. Estas dietas podem apresentar riscos para saúde se implementadas sem base científica e sem o devido acompanhamento por um nutricionista, de forma a garantir uma abordagem individualizada e a existência da intervenção nutricional mais adequada a cada indivíduo, face às suas necessidades e características individuais. Para que a perda de peso seja eficaz é importante que a abordagem seja personalizada, com definição de objetivos realistas e acompanhamento ao longo do tempo. O emagrecimento com saúde consiste ainda na aposta num estilo de vida saudável com planeamento e proficiência em escolhas alimentares saudáveis durante todo o ano.

Tendo em conta a necessidade de cuidados de saúde permanentes e crescentes numa população envelhecida, a profissão de nutricionista afigura-se para os novos profissionais como uma carreira com boas perspetivas de futuro?
As necessidades de atuação do nutricionista a nível clínico, comunitário e de saúde pública são inquestionáveis. O envelhecimento da população e o aumento da esperança média de vida dos portugueses poderá exacerbar mais ainda estas necessidades. Reveste-se de enorme importância a efetiva integração de nutricionistas em todas as estruturas que lidem direta ou indiretamente com a temática da alimentação e da nutrição, para que se concretizem as ações necessárias no que respeita ao tratamento e prevenção de doenças. O perfil de saúde do nosso país reflete a urgência e a necessidade da intervenção destes profissionais.



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CARA DA NOTÍCIA

Um combate pela saúde dos portugueses

Alexandra Bento é Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, doutorada em Ciências do Consumo Alimentar e Nutrição pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e mestre em Inovação Alimentar pela Universidade Católica Portuguesa, onde é professora convidada e regente das unidades curriculares de Política Alimentar e Nutricional, Nutrição Humana e Gastrotecnia. Foi durante mais de uma década presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, onde abriu caminho para a criação da Ordem dos Nutricionistas. Iniciou o seu percurso profissional como nutricionista no Hospital de Amarante, sendo atualmente assessora superior de nutrição da Administração Regional de Saúde do Norte.  


Pela sua ação na defesa e promoção de hábitos alimentares saudáveis, recebeu a Medalha de Mérito Grau Ouro da Câmara Municipal do Porto em 2015 e foi distinguida pela Medalha de Ouro do Ministério da Saúde em 2018.  Autora de várias publicações científicas e artigos de opinião, em 2017 publicou o livro "Comer bem é o melhor remédio".




Fonte: Ensino Magazine, edição online e impressa,  22 de maio de 2019