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Alexandra Bento afirma que é preciso agir urgentemente na prevenção alimentar para evitar que se repitam situações de desnutrição e desidratação de idosos, como aconteceu no lar de Reguengos de Monsaraz. A Ordem dos Nutricionistas considera que "é essencial" que as instituições sociais e solidárias que albergam idosos passem a integrar obrigatoriamente nutricionistas "num número não inferior a um nutricionista a tempo inteiro por cada 40 utentes".
Ao Expresso, a bastonária afirma que a relação entre o número de utentes e número de nutricionistas deve ter ainda em conta a gravidade das patologias dos residentes em instituições seniores, de forma a garantir "a melhor adequabilidade alimentar e nutricional a cada idoso". Alexandra Bento lembra que Portugal é o terceiro país da União Europeia em rácio de idosos versus jovens - superado apenas por Itália e Alemanha -, cenário que nos últimos anos levou à institucionalização "de cada vez mais idosos" e à procura crescente de lares privados e públicos, "a maioria dos quais sem apoio de nutricionistas que personalizem cuidados alimentares em função das doenças crónicas dos utentes".
Segundo Alexandra Bento, há mais de seis mil instituições de apoio aos idosos no país, mas alerta que de um total de 5138 de lares sob a alçada do Instituto da Segurança Social (ISS) apenas 173 contam com a presença de nutricionista. "Temos 129 nutricionistas a trabalhar com instituições de terceira idade do sector público", refere, salientando que uma alimentação equilibrada e à medida é fundamental na qualidade de vida física e mental de pessoas que face à avançada idade acumulam doenças múltiplas.
De acordo com um estudo à população idosa nacional da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, 16,1% da população idosa apresenta sinais de desnutrição ou está em risco de desnutrição, apesar de 31,9% serem obesos. O contexto de malnutrição/desnutrição é, contudo, mais severo entre os residentes em lares de terceira idade, concluindo uma investigação realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa que 38,7% dos idosos institucionalizados revelam risco de malnutrição.
Para a bastonária, a pandemia acabou por destapar uma realidade que "já era conhecida" e que levou a Ordem a levantar a questão da falta de nutricionistas em lares junto no Parlamento há dois anos, tendo a Assembleia da República recomendado ao Governo (Resolução n.º 253 de 9 de agosto) a presença "obrigatória" de nutricionistas nas instituições do sector social e solidário. "Infelizmente, até agora pouco ou nada foi feito", garante, lamentando ter sido necessário o surgimento de infetados com covid-19 em lares para o Governo colocar os olhos nestas instituições, que desde o início da pandemia "se adivinhava que seriam um problema difícil de travar pela idade dos utentes e aglomeração".
"A recomendação surgiu depois de a Ordem ter apresentado um trabalho que alertava para a necessidade de nutricionistas nos lares, baseado na recolha de informação credível e evidência científica, mas acabou por não sair do papel", refere Alexandra Bento. Já este mês, a Ordem estabeleceu contatos junto do Ministério do Trabalho e Segurança Social com vista a que a recomendação passe da "teoria à prática". Na última sexta-feira, a responsável reuniu ainda com a União de Misericórdias Portuguesas e com a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, tendo sido solicitado a estas entidades um levantamento de quantos nutricionistas colaboravam nas instituições do sector antes da publicação da recomendação e quantos foram, entretanto, contratados.
FALTA DE VERBAS TRAVA CONTRATAÇÕES
Ao Expresso, o presidente da União de Misericórdias Portuguesas assegura que a bastonária "tem toda a razão" ao alertar para a falta de nutricionistas nos lares, "fundamentais ao envelhecimento digno dos idosos", tal como os psicólogos, que lembra "tanto ajudaram os idosos durante os meses que não receberam visitas da família e também são escassos".
Embora saliente que na referida recomendação não tenha sido estipulado um rácio de especialistas em nutrição por utente, ao contrário do que acontece com os enfermeiros - um por 40 utentes, "o que é muito pouco" -, Manuel Lemos diz que "é certo e seguro que fazem falta", mas que a contratação esbarra "na penúria de verbas do Estado". O responsável da União de Misericórdias lembra que os acordos de cooperação subsidiam os utentes e não as instituições, ou seja, "o Estado comparticipa em € 400 o utente, que custa € 1.350/mês à instituição". Quem paga a conta? Manuel Lemos faz a pergunta e dá a resposta, explicando que são os idosos de menores rendimentos do universo das Misericórdias e IPSS, que auferem reformas mínimas entre os € 250 e os € 300.
"Estamos a falar de 37 mil utentes e entre o que o Estado paga e a reforma dos nossos idosos ainda faltam € 700 e são muitas as famílias sem rendimentos para custear a diferença", acrescenta. No caso das Misericórdias de Lisboa e Porto, o remanescente é compensado com "atividades da economia social provenientes de rendas de prédios doados", alertando porém Manuel Lemos que a maioria "não tem capacidade de financiamento" para substituir-se ao Estado. "É o Estado que tem a obrigação de dar resposta pública aos idosos", frisa.
Apesar de acreditar que os fundos comunitários disponibilizados pela UE poderão acautelar algumas respostas do sector social, o líder das Misericórdias alerta, contudo, que são verbas temporárias, sendo imperioso soluções definitivas para um problema que o Estado não pode continuar a empurrar com a barriga. Mesmo apreensivo com a previsível segunda vaga pandémica, Manuel Lemos considera que o Governo tem sabido, no geral, lidar com o surto, recordando que o registo de mortes em lares é de 0,5% no universo de utentes.
"MANUAL DA DGS NÃO RESOLVE", DIZ BASTONÁRIA
António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, admite que a ausência de nutricionista é uma lacuna na maioria das Misericórdias e IPSS, que também justifica por falta de financiamento. "A literacia alimentar em instituições de idosos é essencial não só para a sua saúde, mas ainda por permitir atuar na prevenção da doença e poupar na medicação", sustenta António Tavares, razão pela qual a Misericórdia do Porto conta com uma equipa cuidados integrados que inclui oito nutricionistas, dois dos quais em acompanhamento permanente às três unidades de idosos que acolhem mais de 300 utentes.
Em abril último, em plena pandemia, a Ordem disponibilizou-se a criar uma bolsa de nutricionistas destinada ao apoio a lares, procura que diz não ter existido "por falta de disponibilidade financeira" das instituições. de acolhimento de idosos. Mas mesmo que reconheça as dificuldades apontadas pelas instituições de idosos, Alexandra Bento afirma que o Governo tem de ir mais além nas respostas, não bastando que a DGS se limite a publicar um guia com orientações para fornecimento e distribuição de alimentação e organização de espaços para minimizar o risco de contágios nas Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI) e Unidades de Cuidados Continuados Integrados.
"Não basta um manual e a definição de uma ementa, é preciso acompanhamento urgente dos idosos no terreno", insiste a bastonária, advertindo que os idosos, em muitos casos, "estão tão debilitados que nem sentem fome e sede ou resistem a comer por terem dificuldades em mastigar e deglutir".
Fonte: Expresso, online, 16 de agosto de 2020