No âmbito do projeto Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) para avaliar as condições de saúde e estilos de vida dos profissionais e de que forma as organizações são ecossistemas promotores da saúde e bem-estar, o contributo da Ordem dos Nutricionistas é o segundo caso divulgado na nova rubrica da Líder: Healthy Workplaces.
Todas as semanas, uma organização, das mais de 40 que integram o projeto, partilha reflexões e práticas de ambientes de trabalho saudáveis em diferentes setores e atividades.
Os hábitos alimentares e o estilo de vida são fundamentais para a saúde e bem-estar dos profissionais. Os ambientes de trabalho podem promover uma alimentação e um estilo de vida mais saudável junto dos seus profissionais e de outros stakeholders. Esta semana contamos com a partilha e experiência da Bastonária da Ordem dos Nutricionistas Alexandra Bento acerca da forma como as organizações na relação com os profissionais e contexto envolvente podem ser um fator promotor de saúde.
“Os locais de trabalho representam uma grande influência na qualidade de vida dos trabalhadores. Sendo o trabalhador uma peça chave no processo de produtividade das instituições, a promoção da harmonia entre o ambiente de trabalho e a sua saúde física e mental revela-se de grande importância.
Os princípios da promoção da saúde, segundo a Carta de Ottawa, remetem-nos para a saúde enquanto bem público e fundamental para o desenvolvimento social e económico, e reforça ainda que a saúde é criada e vivenciada pelas populações, nos diferentes contextos do seu quotidiano, nomeadamente, nos locais de trabalho[1]. O conceito de ambiente de trabalho saudável, proposto pela Organização Mundial da Saúde, em 2010 reporta uma visão holística, em que os trabalhadores e os empregadores colaboram conjuntamente com vista à proteção e promoção da saúde e bem-estar e de garantia da sua segurança, em prol da sustentabilidade do trabalho[2].
Esta abordagem demonstra uma evolução da visão “clássica” do ambiente de trabalho, focada exclusivamente no ambiente físico. A segurança e saúde no trabalho tem vindo a ter grandes desenvolvimentos, devendo o ambiente laboral evoluir para um espaço simultaneamente protetor e promotor da saúde dos trabalhadores, ajustado às necessidades de todos e sustentável ao longo do tempo[2].
Sabemos que em Portugal os hábitos alimentares inadequados estão entre os cinco fatores de risco que mais contribuem para a perda de anos de vida saudável e para a mortalidade, concorrendo para 7,3% destes anos de vida saudáveis perdidos e para 11,4% da mortalidade. Quando somamos ao peso dos hábitos alimentares inadequados, os fatores de risco metabólicos associados à alimentação desadequada, designadamente o índice de massa corporal elevado, a glicose plasmática aumentada, a hipertensão arterial e o colesterol LDL elevado é possível constatar que estes fatores de risco representam, em conjunto, cerca de 38% da carga total da doença, expressa em anos de vida saudáveis perdidos e que cerca de 60% das mortes anuais se encontram associadas a estes fatores de risco[3],[4].
No nosso país é elevada a prevalência de doenças crónicas associadas à alimentação desadequada, sendo muito provavelmente um dos principais problemas de saúde pública da atualidade. Na população adulta, os dados disponíveis revelam-nos que a prevalência da diabetes tipo 2 é de aproximadamente 10%, a prevalência de hipertensão arterial é de 36% e a de obesidade de 29%[5].
Por outro lado, fruto do uso massivo das tecnologias de informação e comunicação e da recente adoção do regime de teletrabalho, devido à COVID-19, estes problemas de saúde podem ser adensados, uma vez que este contexto pode levar à adoção de comportamentos mais sedentários. A evidência científica revela-nos que os indivíduos com peso em excesso apresentam um maior risco de perda de produtividade de trabalho e de absentismo[6],[7].
Enquanto os riscos para a saúde física associados a más condições de trabalho estão cada vez melhor controlados e geridos, os problemas de saúde nutricional não têm sido devidamente abordados.
De facto, a alimentação no local de trabalho constitui uma área pouco desenvolvida e as instituições estão pouco sensibilizadas para a sua importância, pelo que a implementação de programas de promoção de hábitos alimentares saudáveis nos locais de trabalho, constitui uma medida urgente e necessária, no qual o nutricionista deverá ter uma voz ativa.
Desta feita, deve a saúde ocupacional evoluir para um modelo de prática profissional colaborativa que clarifique, valorize e reconheça as competências de outras áreas do saber em matéria de saúde no trabalho[8]. O nutricionista assume-se como um dos profissionais de saúde preparados para auxiliar as instituições empregadoras para o estudo e avaliação de estratégias específicas que promovam o desenvolvimento e implementação de ambientes de trabalho saudáveis. A sua intervenção poderá ocorrer simultaneamente nos seguintes níveis:
Saúde nutricional dos trabalhadores
O empregador deve promover uma avaliação adequada da saúde nutricional dos trabalhadores, nomeadamente através da avaliação dos recursos para a saúde individual no ambiente de trabalho, contando com a colaboração do nutricionista. Concomitantemente a esta vigilância regular do estado nutricional, deve ser ainda trabalhada a capacitação dos trabalhadores para escolhas alimentares mais saudáveis, através do desenvolvimento de programas no domínio da educação alimentar e nutricional, dirigidos aos trabalhadores no seu contexto laboral.
Ambiente alimentar salutogénico
Os trabalhadores passam aproximadamente 1/3 do seu dia no local de trabalho e, nalguns casos, aí realizam algumas das suas refeições. Num local de trabalho promotor da saúde deverá haver uma oferta alimentar saudável. Neste sentido, o ambiente alimentar laboral, onde se inclui a oferta alimentar disponibilizada aos trabalhadores, como seja em refeitórios, bares, cafetarias ou máquinas de venda automáticas, evidenciam-se como vetores fundamentais de atuação e intervenção do nutricionista.
A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho destaca a importância do fornecimento de alimentos e refeições saudáveis nos espaços de alimentação do local de trabalho, para incentivar a aquisição de estilos de vida saudável, no sentido de promoção de saúde[9].
Perante o retrato da saúde nutricional no nosso país revela-se determinante uma atualização dos normativos em matéria de segurança e saúde no trabalho [10]. A melhoria das normas de saúde e segurança no trabalho não só é essencial para proteger e promover a segurança e a saúde dos trabalhadores, como também se revela benéfica para a produtividade do trabalho e da economia em geral. A integração do nutricionista nas instituições, enquanto elemento da equipa de profissionais de segurança e saúde no trabalho, poderá aportar valor no contexto da construção de ambientes de trabalho saudáveis, intervindo a nível individual, mas também no ambiente em si, adaptando a sua intervenção à realidade e necessidade locais. Os seus conhecimentos e competências serão uma mais-valia para assegurar elevados níveis de saúde e de produtividade, menores taxas de absentismo e bem-estar no local de trabalho, promovendo assim ambientes laborais saudáveis.
A promoção de ambientes de trabalho saudáveis, com o envolvimento de nutricionistas, deve ser incentivada devido à sua eficácia na adoção dos hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis, por parte dos trabalhadores, que os transpõem para a vida familiar e social.”
Por Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas
[1] Carta de Ottawa. In: 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Ottawa, Canadá; 1986. Disponível em https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/carta-de-otawa-pdf1.aspx
[2] WHO (2010) Healthy workplaces: a model for action: for employers, workers, policymakers and practitioners
[3] Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). Global Burden Disease Portugal 2019. Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME); 2020
[4] Gregório MJ, Sousa SM, Teixeira D, Ferreira B, Figueira I, Taipa M, et al. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2020. Lisboa: Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, Direção-Geral da Saúde; 2020
[5] Barreto M, Gaio V, Kislaya I, Antunes L, Rodrigues AP, Silva AC, et al. 1º Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF 2015): Estado de Saúde. Lisboa: INSA IP; 2016.
[6] Goettler A, Grosse A, Sonntag D. Productivity loss due to overweight and obesity: a systematic review of indirect costs. BMJ Open 2017;7:e014632. doi:10.1136/ bmjopen-2016-014632
[7] Shrestha N, Pedisic Z, Neil-Sztramko S, Kukkonen-Harjula KT, Hermans V. The Impact of Obesity in the Workplace: a Review of Contributing Factors, Consequences and Potential Solutions. Curr Obes Rep. 2016 Sep;5(3):344-60
[8] Direção-Geral da Saúde (2018) PROGRAMA NACIONAL DE SAÚDE OCUPACIONAL (PNSOC) – Extensão 2018/2020. Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2018. Disponível em https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/documentos-so/pnsoc_extensao-pdf.aspx
[9] Facts: Promoção da saúde no local de trabalho para empregadores (aceder em: https://osha.europa.eu/pt/publications/factsheet-94-workplace-health-promotion-employees)
[10] Comissão Europeia (2021) COM/2021/102 final. Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:b7c08d86-7cd5-11eb-9ac9-01aa75ed71a1.0023.02/DOC_1&format=PDF
Fonte: Líder Magazine, Sapo, online, 20 de maio de 2021