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Água com açúcar

Água com açúcar
23 de Agosto de 2021

“Não há melhor bebida do que a água.” Quem o afirma é a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Mas se na próxima refeição beber um refrigerante, talvez queira saber quantas “calorias vazias” vêm em cada lata.


Água, concentrados, acidulantes, antioxidantes, conservantes, gás carbónico e açúcar. É esta a lista de ingredientes da doce mistura no interior de cada lata de refrigerantes e é por isso que o seu consumo não deve ser regular. “Estas bebidas deverão ser ingeridas apenas em dias festivos e o seu consumo deverá ser moderado, uma vez que, por norma, têm um elevado teor de açúcar na sua composição”, afirma Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. No entanto, não é bem isso que acontece.


Segundo o relatório de 2019 do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, em 2018, cada português bebeu em média 60 litros de refrigerantes, o que equivale a 3,3 quilos de açúcar. Já os dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2019 mostraram que 28,4% dos portugueses ingere este tipo de bebidas pelo menos uma vez por semana. São maioritariamente os homens (35,2%), os mais jovens, os solteiros e os que têm menor nível de escolaridade quem mais bebe, determinou um estudo do Instituto Ricardo Jorge de 2014. Em termos geográficos, é na Região Autónoma dos Açores que o consumo é maior.


infografia

“Do ponto de vista de saúde pública o consumo de refrigerantes com açúcar será sempre excessivo. Tal relaciona-se com o facto de as calorias fornecidas pelo açúcar serem consideradas calorias vazias, ou seja, ao serem adicionados a um produto alimentar aumentam-lhe o valor energético sem lhe acrescentar qualquer valor nutricional (por exemplo, vitaminas ou minerais), contribuindo assim para uma menor qualidade da alimentação”, afirma a nutricionista. “O consumo excessivo de açúcar, per si, ou adicionado a produtos alimentares, é um dos principais responsáveis pelos problemas de excesso de peso, obesidade, diabetes e cáries dentárias.”


De acordo com um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto divulgado em 2019 na revista “Public Health Nutrition”, os portugueses consomem em média 84 gramas de açúcares totais por dia e 35 gramas de açúcares livres (isto é, os monossacarídeos — como a glucose ou a frutose — e os dissacarídeos — como a sacarose ou o açúcar de mesa —, que são adicionados aos alimentos e bebidas). O consumo é ainda superior crianças entre os cinco e nove anos (50 gramas por dia de açúcares livres), e em adolescentes dos 10 aos 17 anos (53 g/dia).


Segundo o relatório de 2019 do programa nacional para a promoção da alimentação saudável, em 2018, cada português bebeu em média 60 litros de refrigerantes, o que equivale a 3,3 quilos de açúcar


Estes valores estão acima do aconselhado pela Organização Mundial de Saúde. “Nutricionalmente, as pessoas não precisam de nenhum açúcar na sua dieta. A OMS recomenda que se as pessoas consumirem açúcares livres, não ingiram mais do que 10% do total das suas necessidades energéticas”, lia-se na recomendação de 2016 em que a instituição incentivava a redução do consumo de bebidas açucaradas.


“Tendo por base um valor de referência de necessidades energéticas diárias de 2000 kcal, (10%) corresponde apenas a 200 kcal/dia, ou seja, um consumo máximo de 50 g de açúcar por dia. A OMS realça que maiores benefícios para a saúde podem ser alcançados se o consumo diário de açúcares for inferior a 5% do valor energético total diário, ou seja, um máximo de 25 g de açúcar por dia”, explica Alexandra Bento.


Para promover esta mudança de hábitos, a OMS propôs a taxação destas bebidas. “Políticas fiscais que levassem a um aumento do preço das bebidas açucaradas em 20% iriam resultar numa quebra proporcional do consumo”, defendia a organização. A proposta foi adotada em Portugal com a Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017).


No ano em que entrou em vigor, o consumo per capita foi de 75 litros (4,4 kg de açúcar). Caiu no ano seguinte para 60 litros (3,3 kg). Um estudo divulgado pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia em agosto de 2019 revelou uma “queda imediata no consumo que recuperou rapidamente”. No entanto, o estudo concluiu também que o “maior benefício da taxa sobre as bebidas açucaradas e os refrigerantes em termos de diminuição do consumo de açúcar são as reformulações dos produtos” para que evitem pagar impostos mais elevados.


Os dados da Probeb (Associação Portuguesa de Bebidas Refrescantes Não-Alcoólicas) mostram uma quebra de 11,1% na média calórica (ponderada) das bebidas consumidas entre 2016 e 2017(de 31 kcal para 27,5 kcal, por 100 ml). Em 2018, a tendência manteve-se, descendo 3,9% para as 26,4 kcal/100 ml.


“A evidência científica mostra que a política de preços constitui uma ferramenta para a promoção da alimentação saudável, tendo o potencial de reduzir o impacto das doenças provocadas pelo consumo excessivo de açúcar e dos custos a elas associados, mas não se deve esgotar em si mesma”, argumenta Alexandra Bento. A nutricionista defende que “a verba arrecadada por estas medidas deve ser revertida para a promoção da alimentação saudável, o que não acontece em Portugal (a verba arrecadada por esta medida reverte para o Serviço Nacional de Saúde)”.


Para complementar esta medida, propõe “um conjunto de (outras) estratégias” como “promover a educação alimentar para aumentar a literacia alimentar da população no sentido de melhorar as escolhas alimentares” e “implementar um esquema único de rotulagem nutricional (de carácter interpretativo) na parte da frente da embalagem”.


A bastonária considera importante “continuar a promover junto da indústria alimentar a reformulação nutricional destes produtos”, assim como “promover ambientes alimentares salutogénicos, nomeadamente incrementando uma oferta alimentar saudável em espaços públicos.”


Neste último ponto, um estudo da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto em parceria com a Deco Proteste demonstra que ainda temos um longo caminho a percorrer. A análise a 135 máquinas de venda automática em instituições de ensino superior concluiu que a oferta alimentar nestes equipamentos é “desadequada”, estando os refrigerantes presentes em 93% dos casos. Com base no Despacho nº 7516-A/2016 (que define as limitações de “produtos prejudiciais à saúde nas máquinas de venda automática disponíveis nas instituições do Ministério da Saúde”), mais de metade (64%) dos alimentos e bebidas disponíveis seriam considerados “não adequados”.






Texto: Cláudia Monarca Almeida | Infografia: Carlos Esteves | Ilustração: Cristiano Salgado


Fonte: Expresso, edição online, 20 de agosto de 2021