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Os portugueses estão a comer o dobro do recomendado e de forma mais desequilibrada

Os portugueses estão a comer o dobro do recomendado e de forma mais desequilibrada
15 de Outubro de 2021

O consumo de carne entre os portugueses é quatro vezes superior ao recomendado na Roda dos Alimentos, revela a Balança Alimentar Portuguesa para 2016-2020. “É um murro no estômago”, reage a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento. Em ano de pandemia, aumentou o consumo de ovos, chocolates e cafés, mas a ingestão de álcool diminuiu em cerca de 14,3%.


Os portugueses continuam a comer demasiado. E o que é pior: de forma desequilibrada. A Balança Alimentar Portuguesa (BAP) 2016-2020, divulgada esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) precisa que o aporte calórico médio diário por habitante foi de 4075 quilocalorias, isto é, duas vezes acima do valor recomendado para um adulto de peso médio saudável (2000 quilocalorias) e superior, por outro lado, às 3954 quilocalorias registadas no quinquénio 2012-2015.


“É um murro no estômago”, reage a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, para quem o aumento do aporte calórico traduz “um sinal vermelho fortíssimo” e a “persistência de erros graves” na alimentação dos portugueses exige medidas “musculadas e enérgicas”. “No caso da taxação dos refrigerantes, viram-se resultados. Agora temos de pensar como é que consegue uma redução persistente da ingestão de produtos que são igualmente prejudiciais para a saúde dos portugueses”, declarou. 


Ao longo de 2020, ano marcado pela pandemia, registou-se um decréscimo quase generalizado das disponibilidades alimentares para consumo, ainda segundo a BAP, que, a partir da análise aos produtos alimentares disponíveis, permite calcular como se alimentaram os portugueses durante aquele período. Mas houve excepções: ao longo dos sucessivos períodos de confinamento, e apesar de no ano passado ter comido menos, o que se traduziu numa redução de 149 quilocalorias por habitante/dia (menos 3,6%), os portugueses aumentaram a ingestão de ovos, café e açúcar. Por outro lado, e como enfatiza Alexandra Bento, “a diminuição do aporte calórico durante a pandemia foi muito diminuto, considerando que os portugueses fizeram muito menos actividade física”. 


Ao mesmo tempo, e muito por causa do encerramento dos restaurantes e dos espaços de animação nocturna, a ingestão de álcool desceu 14,3% face ao ano anterior – menos 42,7%, se considerarmos apenas as aguardentes, licores e outras bebidas destiladas e fermentadas. Ainda assim, nem aqui se pode dizer que o balanço dos cinco anos seja positivo: a ingestão de álcool aumentou em cerca de 14%, face ao quinquénio anterior. “É um aumento igualmente muito preocupante”, reage a bastonária. 


Se compararmos o período 2016-2020 com o quinquénio anterior, as disponibilidades de carne aumentaram 8,7% e atingiram 229,8 gramas por dia e por habitante, o que levou a que o contributo calórico médio das carnes por habitante (428,6 quilocalorias) representasse mais de quatro vezes mais o total das calorias recomendadas pela Roda dos Alimentos para o grupo composto por carne, pescado e ovos.


De um modo geral, e face às recomendações internacionais relativas a uma alimentação saudável, a gordura teve uma contribuição energética para a alimentação dos portugueses de 34,2%, acima do limite máximo recomendado (30%). 



Declarações da Bastonária da Ordem dos Nutricionista


Fonte: Antena 1, 16 de outubro de 2021



O lado bom da balança

Mas nem tudo são más notícias. Em 2020, ano em que os portugueses deixaram de ir (tanto) ao restaurante e passaram a cozinhar mais em casa, a adesão à dieta mediterrânica aumentou 1,3% face a 2019 e aproximou-se dos valores de 2012 - altura em que, não sem alguma ironia, a diminuição do rendimento disponível tinha levado a que os portugueses recorressem a produtos mais saudáveis na sua alimentação.


A pandemia, de resto, e sem surpresas, acabou por levar a uma redução dos abates de animais, dado o decréscimo do consumo de carne pela restauração e hotelaria, e à diminuição das capturas nacionais de pescado, “em especial nas espécies de maior valor comercial normalmente direccionadas para a restauração”.


Ainda quanto à carne, nos cinco anos em análise, a maior oferta continuou a ser de animais de capoeira que representou 38,4% do total das disponibilidades – mais 2,2 pontos percentuais do que nos cinco anos anteriores. A carne de porco desceu 2,8 pontos percentuais, mas continuou a ser o segundo tipo de carne mais consumida (29,1%). O maior decréscimo na disponibilidade da carne de suíno, adianta o INE, ocorreu em 2020 (foi, aliás, a menor desde 1998), para o que terá contribuído “o decréscimo da produção de leitões, como consequência do encerramento da restauração”. Já a carne de bovino, que representou 22,7% do total, e cujo consumo tinha diminuído no quinquénio anterior fortemente marcado pela crise social e económica, voltou a aumentar 1,2 pontos percentuais.


Contas feitas, os portugueses continuam a comer muito mais carne do que o recomendado. A sua ingestão aumentou 8,7% e o seu contributo calórico por habitante (428,6 quilocalorias) representou quatro vezes o total das calorias recomendadas pela Roda dos Alimentos. Em média, cada português consumiu 229,8 gramas de carne por dia. Mas o aumento não foi uniforme, já que, até 2019, as quantidades de carne disponíveis para consumo aumentaram 7,7%, tendo diminuído 4,3% em 2020, ano em que o decréscimo das importações levou a produção nacional a bater um record de 826 mil toneladas de carne.


Uma maçã por dia…

Outra boa notícia é que o consumo de frutos disparou 27%. Porém, os 278,7 gramas por habitante/dia continuam aquém das quantidades recomendadas pela roda dos alimentos. A maçã aparece como o fruto aparentemente mais consumido (27%), sendo que, em 2020, cada português comeu em média 24,9 quilos de maçãs. Segue-se a laranja, que foi, juntamente com os frutos tropicais, o único fruto cujo crescimento foi sustentado entre 2016-2020.


As leguminosas secas, como o feijão e o grão-de-bico, também estão a chegar com mais frequência à mesa dos portugueses, tendo o seu consumo aumentado cerca de 21%, embora a sua ingestão diária não ultrapasse os 12,7 gramas habitante/dia. Se a comparação for feita entre 2016 e 2020, o aumento das leguminosas secas fixa-se nos 22,9%, numa melhoria que não foi, “contudo, suficiente para corrigir o desequilíbrio face ao recomendado”.


Quanto aos pescados, o consumo de crustáceos e moluscos (24,1% do total que compara com os 18,1% do período anterior) ultrapassou pela primeira vez o consumo de bacalhau e outros peixes secos, salgados ou fumados (15,4%). A BAP permite ainda concluir que cada pessoa ingeriu em média meio ovo por dia (178 ovos/ano), num consumo que aumentou 16,1% nos cinco anos em análise.


Ao mesmo tempo, o consumo de leite e produtos lácteos diminuiu 3,6%, para uma média de 324,7 gramas por dia e por habitante, contra as anteriores 337 g/hab/dia. O leite continua a preponderar, mas o seu peso tem vindo a diminuir ao mesmo tempo que o consumo de queijo aumentou a um ritmo médio de 5,3% ao ano.


As disponibilidades de raízes e tubérculos, como a batata, aumentaram 0,8% para os 222,7 gramas habitante/dia, depois de terem descido 1,5% no quinquénio anterior, “essencialmente devido ao decréscimo da batata para consumo”. Ainda assim, em 2020 cada habitante consumiu em média por dia 209 gramas de batata, o que dá 76,3 quilos por ano.


O consumo aparente de hortícolas manteve-se estável (285,8 gramas habitante/dia), enquanto o consumo de óleos e gorduras continuou a decair, fixando-se agora nas 100,7 gramas por habitante/dia. Mas para este resultado positivo contribuiu, sobretudo, a menor ingestão de gorduras no ano pandémico, já que, até então, o seu consumo vinha aumentando, ainda que apenas 0,8%.


Quanto aos açúcares, o consumo diminuiu para uma média de 83,7 gramas por habitante/dia (81,4 gramas, se consideraremos apenas 2020), menos 5,1 gramas por dia e por habitante do que no período homólogo anterior. A sacarose surge à frente, representando em média 87,4% dos açúcares disponíveis.



Portugueses bebem em média 110 litros de álcool por ano

Que os portugueses consomem cada vez mais café, cacau e chocolate já não é notícia, porquanto o seu consumo vem aumentando há mais de dez anos. No quinquénio em análise, cada português consumiu em média 25,8 gramas destes produtos estimulantes por dia, ou seja, mais 14,8%. Se olharmos apenas para o ano da pandemia, o consumo fixou-se nas 27,1 gramas por dia e por habitante, sendo que o maior aumento se deu nos chocolates e no cacau, que viram aumentar a sua importância no conjunto dos produtos estimulantes de 49,4% para 51.8%. Quanto ao café, cada português bebeu o equivalente a 12,9 gramas por dia no ano passado.


O consumo de álcool aumentou cerca de 14% na comparação entre quinquénios. Em contas mais miúdas, a BAP calcula que cada português tenha bebido em média 302,2 mililitros por dia, o que dá 110 litros por habitante em cada ano. Destes, 47,9 litros correspondem a vinho e 57,6 litros a cerveja. Numa análise mais fina, conclui-se que o aumento da ingestão alcoólica ocorreu sobretudo até 2017. Em 2020, bebeu-se bastante menos: o consumo de álcool baixou para os 98 litros por habitante/ano, num recuo de 14,3% face a 2019, que se explica pelo encerramento dos estabelecimentos de restauração e de diversão nocturna. A prova disso é que esta diminuição da ingestão alcoólica foi particularmente expressiva em bebidas como aguardentes, licores e outras bebidas destiladas, onde a redução atingiu os 42,7%. No conjunto das bebidas com álcool, a cerveja continua a preponderar nos hábitos dos portugueses. Representa 52,3% do total de bebidas alcoólicas ingeridas.


Nas restantes bebidas, a água engarrafada continua a ser a bebida não alcoólica disponível em maior quantidade (61,7% do total), seguida pelos refrigerantes (32%) e pelos sumos (6,2%). E aqui também há boas notícias a registar: enquanto o consumo de água engarrafada aumentou, o dos refrigerantes recuou 4,4 pontos percentuais. “Para esta situação terá contribuído a entrada em vigor em 2017 do imposto sobre as bebidas com açúcar, cujo impacto sobre o consumo aparente dos refrigerantes se fez sentir neste ano com uma redução de 3,5% face a 2016”, lê-se no documento do INE. Em 2019, porém, o consumo de refrigerantes voltou a aumentar, ainda que para níveis inferiores aos registados antes da entrada em vigor do novo imposto. Entre 2016 e 2020, cada português bebeu em média por ano 71,9 litros de refrigerante.




Texto de Natália Faria

Fonte: Público, edição online, 15 de outubro de 2021