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Ministério da Educação avança com a notícia da contratação dos 15 nutricionistas previstos nos OE2020

Ministério da Educação avança com a notícia da contratação dos 15 nutricionistas previstos nos OE2020
16 de Outubro de 2021

Um mês sem croissants e "loucura" no bar: nesta escola, a comida saudável já ganhou

Os lanches com fiambre na escola Clara de Resende, no Porto, ganharam popularidade. Passado um mês da proibição de alimentos não saudáveis nas escolas, a maioria das escolas públicas já fez a transição, mas algumas ainda esperam pelo fim dos contratos com fornecedores.

Há um mês, as escolas públicas inauguravam o ano lectivo sob novas orientações alimentares, que baniram alguns produtos e tornaram obrigatórios outros. Fechado por dois anos devido à impossibilidade de manter o distanciamento físico, o bar da Escola Básica e Secundária Clara de Resende, no Porto, reabriu com as vitrinas mais despidas. 


Este ano, o primeiro dia de campanha das listas concorrentes à associação de estudantes arrancou sem doces, mas nem por isso mais amargo. O entusiasmo dos estudantes, depois de sucessivos confinamentos e aulas à distância, é evidente. Sem um isco tão chamativo para os pequenos eleitores, os concorrentes tiveram de renunciar os patrocínios de marcas de comida e reinventar a campanha com outras actividades. Mário Pereira, de 17 anos, não acredita que tenha mudado grande coisa: "Já passou um mês e tal de aulas, e o pessoal já se habituou a não comer tantas porcarias." A ausência da máscara no recreio ajuda ao convívio (e à festa das listas).


A funcionária do bar, Manuela Teixeira, conta que o intervalo das dez da manhã costumava ser "uma loucura", com alguns encontrões na azáfama que fervilhava do lado de lá do balcão. Agora, o trabalho faz-se com alguma "calmaria", descreve, enquanto tira cafés para os professores, sem que a pequena fila de alunos cause qualquer pressão.


Antes, os alunos vinham à procura dos croissants - e ainda há quem pergunte quando voltarão. Agora, contentam-se com lanches de fiambre e pão misto. À fruta e ao sumo de laranja natural, que sempre fizeram parte do menu da escola, juntam-se ainda a água engarrafada, os iogurtes, o leite simples e os pacotinhos de sumo. Acabaram-se os dias do leite com chocolate e das águas com sabores.

"Ainda estamos numa fase experimental", justifica a directora, acrescentando que muitos alunos se habituaram a trazer o lanche de casa nos últimos dois anos e que, por isso, procuram muito menos o bar. Mas admite que há sempre quem recorra aos cafés em frente à escola, à procura dos produtos que o bar agora se vê impedido de vender. 



Alternativas ao virar da esquina

O presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, estima que a grande maioria das escolas já fez a transição imposta pelo Ministério da Educação, restando aquelas que tinham contratos com fornecedores até Dezembro.


As regras estão a ser implementadas, mas, salienta, não serão a solução, já que os alunos se abastecem de outra forma. "Isto é pura hipocrisia da parte da sociedade, que não contribui como deveria para a alimentação saudável dos nossos jovens", atira.


"Se as escolas não vendem os alimentos que eles normalmente consomem, eles vão procurá-los lá fora, nos cafés e pastelarias, com a agravante de muitos pais também colaborarem porque enchem - e eu tenho visto - as lancheiras dos filhos com tudo e mais alguma coisa", critica.


À entrada da escola, munido de um pão com manteiga e fiambre, e um sumo caseiros, Francisco Rodrigues, de 17 anos, explica que ganhou o hábito de trazer comida no ano passado. "Sabe melhor." O amigo, Francisco Ferreira, com a mesma idade, observa a migração de mais colegas até ao café do outro lado da estrada, em busca de croissants e lanches.


Manuel Costa, funcionário do café e restaurante há três anos, discorda: "Soubemos da lei, pensávamos que ia haver mais afluência e está igual." À hora de almoço vêm mais pelas massas, caseiras e feitas na hora, com bastantes opções de verduras, assegura a proprietária a meio de preparações. "Também nos preocupamos sempre com a saúde pública", garante.


Umas portas ao lado, o proprietário da loja Paraíso das Gomas, Pierre Areias, confirma-o: "Não há uma diferença de movimento nos intervalos." Curiosamente, até são mais os que procuram lanches e cachorros do que saquinhos recheados de doces.

O PÚBLICO falou com cafés e restaurantes nas imediações de várias escolas públicas no centro da cidade e a resposta não variou muito: há alunos a fazer refeições fora da escola, mas não mais do que nos anos anteriores.



Literacia alimentar

Por vezes, Ana Alves depara-se com alunos que, por não a saberem descascar, evitam a fruta. Outros há que não hesitam em descartar a sopa ou os vegetais. A directora acredita que, nestes casos, a alimentação saudável não chega a estar presente em casa e que, por isso, as crianças não ganham esse hábito também na cantina. "O despacho pode ser a primeira medida, mas as famílias têm um papel fundamental", conclui.


Para Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, a raiz do problema está na falta de "literacia alimentar". E a escola pode ser um bom sítio para ela brotar. Ao criar aquilo que define como "um ambiente salutogénico", onde há abundância de opções saudáveis, a escolha alimentar dos alunos cairá maioritariamente sobre estes alimentos.


"Nós podemos, por um lado, ensinar as crianças a comerem de forma saudável e, por outro, envolvê-las neste ambiente saudável", explica. No entanto, ressalva, a promoção da literacia alimentar não pode falhar. "Não podemos ter estas medidas dissociadas, e o Ministério da Educação tem que trabalhar clara e fortemente nesta vertente", defende.


Uma maneira de o fazer é com a contratação de mais nutricionistas. "Com dois nutricionistas no Ministério da Educação conseguimos? É os que há", constata, acrescentando que ir buscá-los às autarquias e centros de saúde não é uma solução, pois também lá são insuficientes. O Ministério da Educação confirmou ao PÚBLICO a contratação de 15 nutricionistas.


"Parece-me que o Ministério da Educação também não se deve demitir daquilo que é a sua responsabilidade, se mais não for assegurar o cumprimento das medidas que ele próprio traça", critica.


Embora as alternativas a serem implementadas sejam mais ricas em termos nutricionais, é importante existir uma oferta variada de géneros alimentícios nos bares e máquinas. "Se tal não está a acontecer, só posso dizer que é lamentável, porque não é isso que se deseja. Mais nutricionistas dariam, de facto, um auxílio precioso", conclui.


O PÚBLICO tentou esclarecer junto do Ministério da Educação outras questões sobre a adaptação das escolas às novas orientações, mas obteve apenas resposta de que, tendo passado só um mês, ainda não existem dados. 



Alimentos não saudáveis resistem no ensino privado

Filinto Lima critica a isenção das escolas privadas da aplicação desta medida. "Eu pergunto se os alunos das escolas particulares também não têm o direito de ser saudáveis. Por que é que estas regras não se estendem ao ensino privado?", questiona.


O director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queiroz e Melo, contrapõe que aquilo que é vendido nos bares das escolas privadas já tem vindo a sofrer uma adaptação gradual e personalizada há algum tempo, satisfazendo as expectativas dos pais e as necessidades dos alunos. Não nega que há escolas a vender produtos banidos naquilo a que chama de "índex alimentar do Estado", mas ressalva que predomina o "equilíbrio".


Sem conseguir adiantar números, admite que as novas orientações para as escolas públicas motivaram algumas mudanças nas privadas. "O que eu não conheço é uma que tenha chegado ao despacho e anulado todos os produtos referidos por completo", observa. Mas existem. É o caso dos Salesianos de Lisboa e do Porto.


A procura do bar diminuiu e aumentaram as lancheiras, mas Orlando Camacho está confiante de que os alunos se vão habituar. No entanto, viu-se forçado a proibir o consumo de produtos banidos pelo despacho no recinto escolar, em nome da coerência, já que, com a pandemia, o colégio facilitava as encomendas de estafetas.


Por sua vez, o Colégio Moderno, em Lisboa, manteve à disposição dos alunos sumos, bolos, batatas fritas, rebuçados, entre outros. A directora, Isabel Soares, esclareceu ao PÚBLICO que a instituição se rege pelo "bom senso" e não entra em "fundamentalismos". "Não é o facto de agora se proibir tudo aquilo que tem açúcar que vai fazer com que as pessoas comam melhor", defende, acrescentando que já há muito que o colégio não oferece uma série de alimentos. Diz tratar-se também de uma questão de liberdades: "Achamos que esse papel deve ser dos pais e não deve ser imposto por medidas governamentais".


Orlando Camacho, director dos Serviços Administrativos dos colégios, conta que doces, salgados e refrigerantes deram lugar a saladas, fruta e sumos naturais. Contudo, resiste o bolo confeccionado na cantina, respeitando os níveis de açúcar recomendados.


"Este ano, para não andar em contraciclo com uma certa cultura que se vem criando, decidimos cumprir na íntegra todas as indicações do despacho desde o primeiro dia de aulas", explica. Defende um processo educativo em vez de impositivo, mas reconhece a necessidade de uma norma disruptiva para criar alguns hábitos - ainda que acredite que esta medida possa "transpor para a escola tudo o que é odioso".



Texto de Inês Moura Pinto

Fonte: Público, edição online, 16 de outubro de 2021