Para fins de melhorar a sua experiência, este site usa atualmente cookies. Eu Compreendo
Página Inicial
<  MAIO 2024  >
SEG TER QUA QUI SEX SAB DOM
1 2 3 4 5
6 7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17 18 19
20 21 22 23 24 25 26
27 28 29 30 31 1 2

Se a alimentação é maltratada no digital, os nutricionistas levam as mãos à cabeça

Se a alimentação é maltratada no digital, os nutricionistas levam as mãos à cabeça
19 de Dezembro de 2021

Pode um abacate ser "vendido" como um alimento milagroso pelos influencers? Poder, pode, mas não deve e a explicação vem já a seguir


Anda uma pessoa anos a fio a estudar para se tornar num nutricionista, a aprender a basear os seus conselhos em evidência científica para agora estar constantemente a deparar-se, nas redes sociais, com falsas ou exageradas alegações de saúde na área da alimentação. Podíamos chamar-lhes bitaites, mas esses supostos conselhos nutricionais são perigosos e o adjetivo dá a impressão de se tratar de algo com pouca importância.


Dizer à boca cheia que um abacate é um alimento milagroso não é totalmente mentira, calma, porque esse fruto tem de facto um extraordinário teor de ácidos gordos, mas é uma afirmação que traz consigo problemas ambientais (que aumentam quando o abacate é importado) e frustração a quem não pode consumi-lo com regularidade, dado o seu preço elevado. O mesmo se passa, por exemplo, com as bagas Goji, um produto que não faz parte da nossa cultura gastronómica e que pode ser substituído por qualquer fruto vermelho com os mesmos benefícios antioxidantes, só que bem mais acessível.


Vem isto a propósito do Dia do Nutricionista, que se comemora a 14 de dezembro, para assinalar a constituição da Ordem desta profissão, há 11 anos. Por aqui se percebe que o assunto não dá espaço a leviandades e que a preocupação com a comunicação de qualidade é real e legítima.


O maior mal vem de fora, claro, mas a bastonária Alexandra Bento não descarta um olhar para dentro, para aqueles profissionais da área que não são factuais, rigorosos ou cientificamente credíveis. E há os aos molhos. “Já exercemos o nosso poder disciplinar algumas vezes por causa de situações dessas”, assume, sem particularizar casos.


Mas quando toca ao mundo dos influencers, composto de pessoas sem qualquer competência ou conhecimentos na matéria, sabe que se criam, muitas vezes, falsas perceções com o endeusamento de determinados produtos, que podem ter um dedinho por trás: “As redes sociais servem interesses particulares e só os mais esclarecidos não se deixam atropelar pela desinformação. A Ordem não pode atuar e ninguém é responsabilizado…”


Embora não haja dados que provem que, depois de certos posts, muitos seguidores passem a ter determinado comportamento alimentar, sem consultar um nutricionista, é plausível que tal aconteça e “a acontecer é perigoso”. Alexandra Bento nota que “a escalada aumenta a cada post replicado tornando ainda mais difícil contrariar essa informação falsa”.



Vencer a guerra contra a desinformação

Maria do Céu Patrão Neves, da comissão de ética da Ordem dos Nutricionistas, não podia estar mais de acordo, quando se trata da acessibilidade do cidadão à informação digital. No entanto, define três patamares de preocupação. A saber: os nutricionistas que trabalham para marcas e que defendem esses produtos sem esclarecer o vínculo profissional; as personalidades públicas de várias áreas da sociedade que dão dicas de nutrição sem qualquer competência para isso, mas com milhares de seguidores; e as dicas, experiências e mezinhas de trazer por casa que são publicadas por pessoas indiferenciadas nas redes sociais – como respondem às fragilidades da generalidade das pessoas, acabam por fazer o seu caminho.


Na cabeça desta professora de Ética está sempre o conselho trumpista de beber lixívia para combater a Covid-19, mas se pensar um bocadinho teme que algumas substâncias recomendadas por nutricionistas de trazer por casa possam causar reação alérgicas graves ou não serem adequadas a alguns metabolismos. “Até os medicamentos que se tomam podem ter um efeito sinergético quando entram em conflito com algum desses produtos recomendados por pessoas indiferenciadas.”


“Bem sei que esta luta contra a desinformação por parte dos nutricionistas é igual à de David contra Golias, mas se bem me lembro foi David quem ganhou”, diz, com otimismo, acreditando que os bons profissionais da área vão vencer a guerra contra as notícias falsas. Para dar uma ajuda, a Faculdade de CIências da Nutrição da Universidade do Porto lançou, em 2019, um site de fact check na área da alimentação, com o nome Pensar a Nutrição, Combater a Desinformação. Um pequeno passinho nesta luta desigual, mas que poderá fazer a diferença.



Fonte: Visão, online,19 de dezembro de 2021