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Minha rica proteína

Minha rica proteína
08 de Julho de 2022

Conquistaram várias prateleiras dos supermercados. Quem vai às grandes superfícies dificilmente não terá esbarrado com um destes produtos alimentares enriquecidos em proteína — pudins, iogurtes, gelados, gelatinas, leite, pão, cereais, barras e até massas. Produtos que invadem não só estes espaços mas que chegam também aos consumidores através da publicidade, da intemet ou dos ginásios.

 

Muitas pessoas vão atrás da ideia de que a ingestão de proteína, ao manter a saciedade durante mais tempo, pode ajudar a tornar o processo de emagrecimento mais rápido. Outros procuram reforçar a manutenção e recuperação dos músculos após a realização de exercício físico. Mas será sempre assim?

 

A verdade é que os produtos enriquecidos em proteína — e as dietas hiperproteicas, como a paleo — estão na moda e poderão vir a tornar- -se uma tendência. "O que pode ser preocupante", adianta ao Expresso Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas (ON). "Ainda que os alimentos enriquecidos em proteína possam ser importantes para alguns grupos específicos — como idosos, pessoas com determinadas doenças e vegetarianos —, não há vantagem nenhuma em optar por estes alimentos se não necessitarmos deles. Esta é uma moda que pode prejudicar a saúde."

 

A moda poderá ter surgido pela mão de alguns bloggers e influencers, "que partilham os seus treinos e rotinas alimentares, nos quais consomem estes alimentos, sendo por vezes patrocinados por algumas empresas; lançam a ideia de que estes são necessários para a pessoa ter a saúde e a silhueta de que necessita", nota a bastonária. Ou que advém da guerra que hoje existe contra os hidratos de carbono, considera a médica endocrinologista Isabel do Carmo. Depois dos estudos científicos que aconselhavam ora a redução de gorduras ora a redução de hidratos de carbono, "instalou-se a moda de não comer hidratos de carbono — sobretudo para as dietas de emagrecimento. Ora, se cortamos as gorduras animais e os hidratos de carbono, restam as proteínas. Foi também por isso que apareceram os alimentos hiperproteicos".

 

O problema não está na ingestão de proteína — é um macronutriente essencial para o crescimento, manutenção e reparação do nosso organismo, quando ingerida em doses adequadas e de forma equilibrada ao longo do dia (incluindo refeições como o pequeno-almoço e o lanche). "Os benefícios são imensos: redução da doença cardiovascular, melhoria da microbiota intestinal, redução da incidência de inúmeros cancros, equilíbrio do peso...", explica a bastonária da ON. lá Patrícia Almeida Nunes, coordenadora do Serviço de Dietética e Nutrição do Hospital de Santa Maria, reconhece que alguns estudos indicam que o consumo de proteína ao longo do dia tem efeito no melhor controlo e gestão da perda de peso. "Contudo, e uma vez que nem todas as fontes de proteína são iguais, torna-se importante fazer um plano nutricional acompanhado por um nutricionista", afirma, acrescentando que a quantidade de proteína varia ao longo do ciclo da vida e está dependente de necessidades particulares.

 

Os riscos surgem quando o seu consumo é excessivo, isto porque a ingestão de proteína em excesso pode comprometer algumas funções do organismo, nomeadamente a renal, e levar a um consumo calórico excessivo. "Se eu, no final do dia, ingiro mais calorias do que aquelas de que necessito, isto pode influenciar o ganho de peso", diz Alexandra Bento — uma informação corroborada por Patrícia Almeida Nunes, que destaca ainda o impacto na doença cardiovascular e em grupos de risco que, por doença, podem ter de restringir a sua ingestão. lá Isabel do Carmo descarta que a ingestão exagerada de proteína possa levar ao aumento de peso. "As proteínas são muito concentradas, dão saciedade, e não acontece as pessoas, só por causa da sua ingestão, incorrerem num grande excesso calórico."

 

 

FARMÁCIAS, SUPERMERCADOS E GINÁSIOS

 

Quer isto dizer que os pudins, iogurtes, massas, barras e cereais enriquecidos em proteína são prejudiciais ou benéficos para o organismo? Tudo depende da pessoa em questão, da sua ingestão habitual de proteína e da sua saúde. Os especialistas aconselham cautela na hora de fazer escolhas alimentares, para que as pessoas percebam se têm ou não um défice de proteínas no organismo. A maioria da população, no entanto, não terá esse défice — ou necessidade de reforçar a sua ingestão —, garante Alexandra Bento.

 

As recomendações dos especialistas apontam para cerca de 1 grama por quilo de peso por dia, mas a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos refere 0,83 gramas por quilo de peso por dia. Ainda assim, a coordenadora do Serviço de Dietética e Nutrição do Hospital de Santa Maria, Patrícia Almeida Nunes, realça que "o seu consumo pode ir desde cerca de 0,8 gramas a 2 gramas por quilo de peso por dia, mas tem sempre de ser ajustado em função do objetivo e das necessidades individuais (peso, altura, trabalho, entre outros aspetos) e, no caso dos desportistas, da tipologia de desporto que praticam". E dai a importância de estas pessoas serem acompanhadas nas suas escolhas alimentares por profissionais de saúde.

 

Mas, na prática, "o consumo de proteínas por parte de crianças, adolescentes ou até mesmo adultos é mais do que suficiente e, em alguns casos, até ultrapassa a quantidade diária recomendada", recorda a bastonária Alexandra Bento, referindo que o último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, de 2016, concluía que cerca de 83% das crianças e 35% dos adolescentes ultrapassava os 2 gramas de proteína por quilo de peso por dia, "um consumo claramente excessivo". "Se estes ainda sobrecarregam o seu consumo com alimentos enriquecidos em proteínas, então claramente temos um problema."

 

"É importante que estes alimentos enriquecidos em proteína existam nas prateleiras, porque há que beneficiar do seu consumo", acrescenta a bastonária da ON. É o caso dos atletas e de pessoas que podem mais facilmente ter défice de proteínas no seu organismo (ou precisar de um reforço), como os vegetarianos, os idosos e pessoas em convalescença. "Nas convalescenças pode ser importante fazer uma alimentação hiperproteica, para ajudar, por exemplo, na cicatrização após uma cirurgia", explica a endocrinologista Isabel do Carmo. "Por vezes, também a recomendo em situações de anorexia nervosa"

 

Mas as pessoas que querem emagrecer também têm recorrido muito a esse tipo de alimentos, uma vez que mantêm a saciedade durante mais tempo. "Não me importo que as pessoas substituam uma refeição por outra hiperproteica, se nas outras refeições do dia reduzirem a quantidade de proteínas, gorduras e hidratos de carbono — para que a soma total diária seja mais reduzida em calorias [no caso de quem quer emagrecer]", diz Isabel do Carmo. lá tornar todas as refeições hiperproteicas, eliminando todos os outros componentes, é mau para a saúde. "Fazê-lo como alguns atletas fazem é errado. Sobrecarrega o rim."

 

É verdade que os atletas têm regimes alimentares especiais, que muitas vezes incluem regimes hiperproteicos (mas não só), regulamentados e acompanhados pelos técnicos e profissionais de saúde dos clubes. Mas fazer exercício físico regular não é o mesmo que ser um desportista de alta competição. "As pessoas que vão ao ginásio e procuram fazer músculo à custa de refeições hiperproteicas estão a prejudicar a saúde", garante a endocrinologista. Além disso, recorda Patrícia Almeida Nunes, a massa muscular não depende apenas da proteína mas também de outros nutrientes como os hidratos de carbono.

 

E quais os alimentos aconselhados para quem tem situações clínicas que exigem um regime hiperproteico ou para quem quer emagrecer, substituindo uma refeição por outra hiperproteica? Em primeiro lugar, importa saber que existem dois tipos de proteína: as de alto valor biológico (como os lácteos, a carne, o peixe e os ovos) e as de baixo valor biológico, que encontramos nos vegetais. Mas é preciso também olhar para os outros componentes. "Por exemplo, quando consumimos carne devemos controlar o consumo de carne vermelha, pelo seu elevado teor de gordura saturada", exemplifica a coordenadora do Serviço de Dietética e Nutrição do Hospital de Santa Maria.

 

Já os produtos hiperproteicos podem ser divididos em três categorias, em função do seu local de venda: farmácias, supermercados ou ginásios. Os produtos vendidos em farmácia e nos supermercados são as melhores opções, garante Isabel do Carmo. "Os da farmácia — uma espécie de pudins e iogurtes — são muito caros, mas são ótimos e muito úteis para determinadas situações clínicas. São preparados e têm fórmulas calculadas", nota a endocrinologista. "Os que se vendem nos supermercados podem ser usados nessas mesmas situações ou para substituir uma refeição — e têm a vantagem de serem mais agradáveis do ponto de vista gastronómico." lá os hiperproteicos que se vendem nos ginásios "podem ser francamente perigosos e não devem ser tomados", alerta. "Além de não passarem pelo Infarmed, por vezes podem conter esteroides."

 

Ainda assim, mesmo aqueles que se vendem nos supermercados não devem ser comprados às cegas. As nutricionistas contactadas pelo Expresso alertam para a importância de os consumidores saberem ler os rótulos (e, caso não saibam, procurarem a ajuda de um profissional de saúde), de modo a conseguirem comparar produtos enriquecidos em proteínas com outros similares que não o são. O objetivo é tentar perceber se, na listagem de ingredientes, existem alguns que se revelam desnecessários, entre os quais quantidades excessivas de gordura, açúcar e sal. "Por exemplo, no caso dos lácteos deve optar-se pelas opções com baixo teor de gordura", sublinha Patrícia Almeida Nunes. "Devemos também ter especial cuidado com alguns produtos, como as bolachas, que por terem mais proteína não se tomam, por si só, opções mais saudáveis. Se forem enriquecidas em proteína mas tiverem muito açúcar e gordura, acabam por não ser uma boa escolha alimentar."

 


Fonte: Expresso, 08 de julho de 2022